sábado, 1 de setembro de 2012

MIA COUTO, O Poeta

 

O POETA

O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
 A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.

Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.

Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.

Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.

in IDADES CIDADES DIVINDADES (Caminho, 2007)


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