Se ficasses para sempre nos olhos que em ti medi naquele balouçar de vestal e puta eternamente serias o sonho prolongado que não há Mas os anos amiga os anos que passaram fizeram de borracha a tua pele e o desespero das rugas enfeitou o teu rosto num rasgo de ti mesma E desdobras-te em cascatas de gestos em busca do que foste sem saber e há qualquer coisa de injusto em tudo isso porque os meus olhos são da mesma idade E o tempo esse carrasco lento fez de nós uma referência uma memória esconsa do que fomos E hoje são talvez as tuas filhas quem desdobrou de ti o alçamento a graça de garça e o altar de espanto Mas tu amiga aqueles teus seios de mármore que eu mordi de amante esses roubaram-mos de inveja o tempo e a lonjura Por isso recuso ver-te hoje sem ser nessa memória Dizem que é assim isto de viver mas há tudo de cru, injusto e triste nessa amargura porque a beleza extrema nunca houvera de morrer E tudo o que me estrago a mim não magoa que eu nunca contei muito para o belo que me deste Sempre vou ser isto mais coisa menos coisa cada vez mais velho e mais agreste Mas tu tinhas direito à eternidade o teu rosto o teu corpo as tuas mãos moram para mim ainda e sempre na ideia em que te guardo e há qualquer coisa de injusto em tudo isto porque os meus olhos são da mesma idade