sábado, 14 de setembro de 2013

Rugas Pedro Barroso




Se ficasses para sempre
nos olhos que em ti medi
naquele balouçar
de vestal e puta eternamente
serias o sonho prolongado

que não há
Mas os anos amiga
os anos que passaram
fizeram de borracha a tua pele
e o desespero das rugas
enfeitou o teu rosto
num rasgo de ti mesma
E desdobras-te em cascatas de gestos
em busca do que foste
sem saber
e há qualquer coisa de injusto em tudo isso
porque os meus olhos são da mesma idade
E o tempo
esse carrasco lento
fez de nós uma referência
uma memória esconsa do que fomos
E hoje são talvez as tuas filhas
quem desdobrou de ti o alçamento
a graça de garça
e o altar de espanto
Mas tu amiga
aqueles teus seios de mármore
que eu mordi de amante
esses roubaram-mos de inveja
o tempo e a lonjura
Por isso recuso ver-te hoje
sem ser nessa memória
Dizem que é assim
isto de viver
mas há tudo de cru, injusto e triste
nessa amargura
porque a beleza extrema
nunca houvera de morrer
E tudo o que me estrago
a mim não magoa
que eu nunca contei muito
para o belo que me deste
Sempre vou ser isto
mais coisa menos coisa
cada vez mais velho e mais agreste
Mas tu tinhas direito à eternidade
o teu rosto o teu corpo as tuas mãos
moram para mim ainda e sempre
na ideia em que te guardo
e há qualquer coisa de injusto em tudo isto
porque os meus olhos são da mesma idade